Hispéria (ou Hespéria) 1. Uma das ninfas inácides concebidas pelo potâmoi Ínaco 2. Hispânia ou Península Ibérica (Hespérica), tal como referida por Camões 3. Cidades dos Estados Unidos da América (Califórnia e Michigan) 4. Asteróide descoberto em 1861 por Giovanni Schiaparelli 5. Espécie de insecto (Aphaenogaster hesperia) 6. Espécie de gastrópode (Inodrillia hesperia) 7. Região do planeta Marte (Planum Hesperia) 8. Espécie de borboleta 9. Jornal (Hesperia) académico de Arqueologia 10. Cidade da Península Ibérica para onde confluem viajantes de todas as partes do mundo e centro mundial de estudos em mitologia (Hispéria).

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Um país chamado Gonçalo M. Tavares



Muitos anos atrás, os habitantes de um país chamado Gonçalo M. Tavares, os senhores, deixaram de utilizar advérbios nas suas conversas; simplesmente deixaram de os utilizar, sem razão aparente, decreto ou notificação: esqueceram-se da sua existência, digamos assim. O que começou nos advérbios de modo, rapidamente se estendeu os advérbios de tempo e aos advérbios de lugar. Alguns senhores do país ainda os guardaram para si em silêncio, no interior das suas cabeças ou em pequeninos cofres escondidos num local remoto da casa. Os advérbios tornaram-se de tal forma raros e preciosos que começaram a gerar cobiça e inveja, e quando algum senhor os pronunciava porque se distraía corria sério risco de sofrer uma agressão e ser mesmo espoliado dos seus preciosos advérbios, ora porque lhe abriam a cabeça e os roubavam, ora porque o torturavam até que confessasse em que lugar da casa os guardava. Mas a calamidade não acabou aqui. A seguir aos advérbios, os adjectivos também desapareceram misteriosamente. Nunca mais o dia esteve quente ou frio, nunca mais as pessoas foram bonitas ou feias, tristes ou alegres, nunca mais as ruas estiverem enfeitadas, nunca mais Wittgenstein foi silencioso ou barulhento, gordo ou magro. E a seguir aos advérbios e aos adjectivos perderam-se as conjunções. Nunca mais o senhor foi beber água à fonte porque tinha sede, ou o senhor procurou uma sombra por causa do calor mas não encontrou nenhuma. Por essa altura, as ruas tornaram-se caóticas, as pessoas não se falavam por vergonha, ou se o tentavam não se entendiam, as lojas deixaram de vender porque ninguém percebia os clientes, as repartições públicas tornaram-se ineficazes, e não raras vezes um dia inteiro não chegava para atender o pedido de um senhor apenas; também os portos e os aeroportos fecharam porque ninguém sabia explicar quando deveria seguir a mercadoria, e as fábricas encerraram porque a cadeia hierárquica e todos os sistemas de controlo deixaram de funcionar. O país entrou em colapso. Por fim, perderam-se os substantivos e os habitantes esqueceram o nome das ruas, o nome das pessoas com quem falavam e o próprio nome; deixaram de saber o nome dos melros, o nome da lua e o nome dos santos. Limitavam-se a enunciar um conjunto de verbos, quase sempre no infinito, cujo sentido de nada valia. Bem poderiam os senhores gritar CORRER, SALTAR, PULAR, AGIR, que nada acontecia. Era como se os verbos tivessem perdido a capacidade de gerar ou apelar a qualquer acção. Nesse mesmo dia tudo parou e os senhores resolveram abandonar o país. Nunca em nenhum êxodo se falou tão pouco.

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